domingo, 9 de novembro de 2014

Uma prancha, muitas ondas e uma Sereia.

Peguei meu carro e resolvi viajar de Salvador até o Rio de Janeiro passando por Porto Seguro, onde planejava ficar por uns dois ou três dias.

Estava recém-separado de uma mulher pela qual senti muito desejo e pouco amor. O amor ficou para os frutos deste desejo, dois filhos lindos, duas almas em construção. Sentia certa leveza por estar livre da hipocrisia de manter uma relação desgastada com o tempo e com isso providenciando um ambiente infeliz para meus filhos. Por isso a separação não foi opção, foi obrigação ética.

Ainda na BR101, na metade do caminho, resolvi passar por Itacaré, onde passei três dias surfando as melhores ondas que já surfei em Itacaré.

De Itacaré fui a Porto-Seguro onde passei outros três dias, curtindo as praias e o ambiente noturno movimentado de uma cidade pequena.

Saindo de Porto-Seguro, aproveitei para ouvir a mistura do som do motor de meu carro com a brisa matutina. Uma mistura de sons melhor do que muita música composta, principalmente nestes últimos tempos. Poucos quilômetros depois vi uma moça, no acostamento da estrada, que ao me perceber estendeu o braço e com a mão fez o gesto típico da carona. De longe a imagem já tinha impregnado a minha retina. Loura, cabelos compridos chegando à cintura, uma camiseta curta que terminava acima do umbigo e um short jeans, bem curto. Instintivamente reduzi a velocidade para ver melhor os detalhes. Notei as pernas elegantes, bem torneadas e chamativas diante dos sapatos de salto alto e o short pequeno, rasgado. Ela estava com pulseiras e colares de miçangas e uma pequena mala na outra mão. Ao chegar bem perto olhei para o rosto, lindo, e pensei nos meus dois filhos, ainda com um desejo intenso por aquela Sereia loura, mas com medo de que esta aventura pudesse ser alguma armadilha, não com medo pessoal, porque tinha perdido este medo depois de ter sobrevivido a algumas surpresas geralmente fatais, mas que no meu caso, não foram. Tive medo por meus filhos que dependiam exclusivamente de mim. Sorri para a Sereia e passei. A imagem da sereia, que impregnou minha retina jamais saiu da minha memória.

Nesta viagem tive duas oportunidades criadas. A primeira, não planejada, de surfar em Itacaré. Ao aproveitar esta oportunidade surfei melhores ondas que as surfadas nas viagens planejadas a Itacaré. A segunda oportunidade, de passar momentos surpreendentes porque inesperados, com uma Sereia. Esta, não aproveitei.

Jamais me arrependi das oportunidades que aproveitei, pois mesmo que tivessem um fim desagradável (o que não foi o caso da estadia em Itacaré) jamais foram tempos perdidos. Serviram de aprendizado, naqueles momentos, porque mal me lembro das oportunidades aproveitadas. Mas hoje, uma década depois, ainda me lembro da Sereia loura pedindo carona e imagino como teria sido se tivesse parado o carro. Talvez terminasse sendo apenas uma carona, o tempo, achado, aproveitado em uma conversa cujo aproveitamento, para mim, dependeria do canto da Sereia. Talvez terminasse numa aventura, com muitas paradas antes de chegar ao Rio de Janeiro que poderia se tornar um destino comum. Talvez a aventura terminasse num assalto, numa destas paradas. Talvez terminasse numa DST. Talvez a aventura não terminasse nunca e ainda estivesse vivendo-a hoje.

São muitos “talvez”, mas apenas por um motivo, por não ter aproveitado a oportunidade, e quando não se aproveita uma oportunidade, seu mundo se enche de “SE” e “TALVEZ” e termina num único “NUNCA”. Nunca saberei como teria sido se tivesse parado o carro.

E o “Nunca saber” dói bem mais que os “Se” e os “Talvez”.